domingo, 31 de julho de 2016

Um ano de Caeté Açu ( Vale do Capão)


 Dia 12 de junho - após uns 5 anos de peregrinação-  completei um ano de naMORAmento no Vale. Vim morar num lugar que na visão de alguns é “o fim do mundo”... onde as “ruas” não tem asfalto e  mal tem iluminação; o acesso é difícil, não tem hospital, não tem banco, não tem cinema, não tem linha de celular... ”sem fone sem telefone” no coração da Bahia do Brasil...
E ai? “é uma louca”, pode-se dizer -ou pensar- estou até me acostumando com isso...
Sim! Tudo isso pode ser bem, bem difícil... muito difícil mesmo! Porém essas dificuldades são também a razão de muitas bênçãos. A falta de asfalto e problemas de acesso ao lugar, ajuda a violência a não chegar. Aqui  caminho sozinha com tranquilidade a qualquer momento do dia e da noite... e a minha bici, por exemplo, sempre companheira e “solta”, sei que estará me esperando onde quer que eu a deixar. Na escuridão das ruas/mato/estradas posso ver a lua (com suas fabulosas transformações) e as estrelas, da maneira mais esplendorosa que já pude apreciar; a falta do cimento e concreto faz tudo ficar vivo em todo lugar... à prova disso é a benção (apesar dos sustos) de cruzar com “os intocáveis”:  cobras, aranhas e escorpiões... sinal de que a natureza aqui ainda resiste... e me sinto também viva e feliz por isso, por sentir  que também faço  parte dela, em comunhão com todos os seres. Tem também a deliciosa descoberta de muitos outros “incomuns” como uma “barata de olhos verdes luminosos” ( sim! Tenho provas e estava lúcida). Falei dos peçonhentos, mas claro que tem a magnífica presença dos “aceitáveis” e fofos também, como os micos que às vezes me servem de despertador, e os pássaros de todas as cores que aparecem no meu pátio. Além da nobre liberdade dos “domésticos” cães e gatos que em suas idas e vindas podem aparecer apenas para uma pequena visita ou uma pernoite, indo embora “de boa” no dia seguinte... ou não...como o caso da gata, que decidiu mudar de “mala e cuia” (ou seria tapioca?) pra minha casa. A falta de hospital ajuda a intensificar a busca da medicina natural, da prevenção da saúde, da valorização de quem tem a sabedoria da terra. E como não funciona o celular, e poucos tem internet, as pessoas vão se visitar, e quando estão reunidas, interagem de verdade, se olham nos olhos, não há nenhuma tela pra distrair (nem mesmo da televisão, onde não conheço nenhum adepto aqui). A qualidade que sai de encontros de pessoas com suas particularidades, que se encontram de verdade, dá um enredo, uma novela, que nunca irá ao ar. Quem chega aqui,,, sempre tem algo muito especial pra compartilhar...
Fogo, roda de histórias, massagens, cantos, inipis, tipis, trilhas, acampamentos, culinárias, música, danças, tarots, chás,  preces, jogos, curas, brincadeiras...
Gosto da informalidade daqui, gosto dessas incríveis trocas e das pessoas que estão ou chegam aqui. Gosto de poder com facilidade e reverência, entregar meu sangue à terra; gosto de poder no mesmo dia trabalhar e tomar um banho de cachoeira... gosto de poder caminhar descalça, de respirar ar puro TODO DIA, , e apesar do “trabalho” que dá, gosto da dignidade de dar conta de quase todo lixo que produzo.
Pouca coisa? Para quem já se habituou em demasia com a cidade pode  mesmo ter perdido a noção do significado disso e não entender o valor...
Eu continuo achando que é difícil morar aqui,,,  não entrarei em detalhes das demais “intempéries” desse lugar ainda um pouco selvagem... talvez em outro momento. Mas é esse mesmo fator que me faz sentir viva e inteira aqui. Natural, conectada com minha verdade ...e  apenas parte da natureza...
Uma vez concluí que precisava morar num lugar em meio à natureza onde pudesse ouvir línguas diferentes e música tocando ao vivo... me dei conta que isso estava acontecendo aqui na minha vida!
E foi bem quando estava contemplando as montanhas pela minha sacada,  ouvindo o ensaio da escola de música que me faz vizinhança e ouvindo as pessoas conversando na rua... “Cheguei”! Pensei comigo mesma.

 Fincarei minha bandeira definitivamente aqui? Pode ser... Mas sabe-se lá... Além de ter alma peregrina, tem outro fator que ainda me faz titubear... Esse amor que tenho profundo na vida: o Mar...ai... o mar!!! Essa falta que me faz o mar...