segunda-feira, 29 de abril de 2013

Minha vida em Bali


É difícil descrever tudo o que tenho vivido até então em Bali. Gostaria de contar como é minha vida aqui, mas não posso falar de nada rotineiro. Minha vida é inconstante e tudo o que acontece aqui, acontece com toda a intensidade, tanto para as coisas boas quanto para as ruins... a ilha é mágica, seguramente. O que me faz lembrar daquele antigo seriado “A ilha da fantasia” (só vai lembrar disso quem é da minha geração!). Era um seriado onde um homem grisalho recebia junto a um anão, convidados em sua ilha (a Ilha da fantasia) e nesta ilha todos os sonhos se tornavam realidade...
Aqui em Bali, de fato isso acontece, pelo menos aconteceu comigo... Tudo o que almejei aqui se tornou realidade... com alguns percalços no caminho também. Mas de tudo isso vou falar mais adiante, agora vou tentar contar das coisas que de certo modo se repetem aqui na minha vida em Bali, ou seja, no cotidiano de vida aqui.
Ao sair com minha bicicleta (que é meu meio de transporte aqui), encontro, reencontro e redescubro Bali diariamente...
É muito comum, ouvir de pessoas desconhecidas: homens,  crianças (e algumas vezes  mulheres) um sonoro e entusiasmado: “HELLOOO!!!”. E ao pedalar em menor velocidade, ou quando se está esperando no semáforo, se pode ainda ouvir a frase que costuma vir na sequência: “Where do you go?”. O diálogo, portanto é bem direto: “Hello! Where do you go?”. As crianças especialmente adoram a oportunidade de praticar o inglês que aprendem na escola com essas duas frases! Às vezes incluem também uma terceira: “How are you”?
Outra coisa que me chama atenção aqui é que eles se vestem de  forma a não mostrar o corpo, mas  se pode ver também, passando pelos rios, homens nus e senhoras sem blusa tomando banho ou lavando roupas.
A paisagem da cidade (Ubud) é feita de campos de arroz, coqueiros, templos, estátuas de deuses, monstros, oferendas, árvores, flores...
Uma das principais “marcas registradas” de Bali é ver em todo e qualquer lugar, a toda e qualquer hora as lindas oferendas que as mulheres preparam para os deuses diariamente. Elas estão espalhadas, nos templos, nas calçadas, em cima dos carros, motos, nas mesas dos restaurantes, estabelecimentos comerciais, rios, mesa de consultório médico, estradas... Nenhum lugar escapa.
As mulheres fazem pequenos cestinhos feitos de folhas de palmeira e ali podem colocar várias coisas: incensos, flores, arroz, bolachinha, moedinha. As vezes vejo apenas um pouquinho de arroz em cima de um pedacinho de folha no chão. Quem sai no lucro com isso são os animais, já vi gatos, cachorros, pássaros, galos e galinhas comerem as oferendas... Vai ver que eles também são deuses e o povo ainda não se deu conta. Que percebessem que todo animal faz parte do divino já seria uma grande conquista aqui, pois se tem uma parte que não é tão bonita desta história é o tratamento aos animais. Mas disso falarei em outro momento.
Voltando a parte bela, é comum ver também as mulheres com os trajes coloridos de muita feminilidade carregando pelas ruas as oferendas na cabeça. Daí se enxerga de tudo, frutas, cestos, comida, incensos... Essas oferendas são levadas aos templos nos dias de cerimônia, sendo que essas acontecem a todo o momento. Existem cerimônias para tudo: celebrar deuses, abençoar marionetes, abençoar máscaras, abençoar ferramentas, lixar os dentes caninos dos adolescentes, cortar cabelo do bebê pela primeira vez, enterrar cordão umbilical, colocar os pés no chão pela primeira vez, fazer “limpeza da casa”. Essas cerimônias são também assunto para outra publicação...
As mulheres não apenas carregam oferendas na cabeça, aqui, as mulheres também fazem trabalho pesado, como, por exemplo,  de construção civil... já vi muita mulher carregando de tudo na cabeça. Certo dia, cheguei até a ficar constrangida, pois estava a caminho de uma cachoeira e para isso tinha que descer um despenhadeiro com escadarias gigantes que iriam me conduzir a um refrescante banho e desfrutar de um lindo domingo de sol com seus 40 graus rotineiros... neste caminho cruzo com uma mulher subindo ladeira acima com 4 imensas e visivelmente pesadas pedras na cabeça. Era tão pesado que ela mal conseguia andar (quem dirá subir aquela escadaria). Eu percebi que nem se eu quisesse poderia oferecer ajuda, pois só de olhar poderia concluir que eu não seria capaz de levantar nem sequer uma única  daquelas 4 pedras...
A cidade também é repleta de motos e lambretas. Em cima delas se vê de tudo: 1, 2, 3 4, 5 passageiros, bebês de colo, recém-nascidos, cachorro, galinha, crianças e adolescentes dirigindo, gente carregando tudo que é tipo de coisa, quilos e quilos de folhas, galhos, colchão, gente fantasiada, gente com e sem capacete, mulheres com oferendas na cabeça...
Existem poucos carros e raríssimos meios de transporte público. Após vários meses em Bali a única informação que tenho sobre o transporte público (uma espécie de Combi precária), é que nunca se sabe a que horas elas passam e exatamente para onde vão. Sei também que param de circular muito cedo. Eu moro longe do centro e da casa do meu professor, por essas razões tive que comprar uma bicicleta, pois ainda não tenho a coragem de dirigir uma moto, ainda mais depois de observar o trânsito caótico. Desde que estou aqui este tem sido meu único meio de transporte. Eu nunca andei tanto de bicicleta em toda minha vida e olha que eu já andei muito de bicicleta nessa minha vida... Nos primeiros 15 dias eu chegava a ter dor nas “partes secretas”, fui obrigada a investir num banco mais macio, mas tive que aprender a conviver com os calos permanentes nas mãos.
O primeiro dia que saí de bicicleta na cidade foi um momento marcante, pois estava com muito medo e nem sabia como dirigir nas condições oferecidas: as ruas são estreitas e as calçadas ainda mais, o que muitas vezes impede mais de duas pessoas caminharem lado a lado nelas... Nas ruas aquela confusão de motos, carros e lambretas andando na direção contrária da que estou acostumada. O espaço que existe entre o trânsito e a calçada é tomado de carros estacionados. Assim,tremendo, comecei a tentar dirigir pela calçada (como faço no Brasil), mas não durou mais de um segundo, saí atropelando as oferendas pelo caminho... fui forçada a encarar aquele trânsito caótico. Para mim isso foi um “ritual de adaptação” a Bali. Os balineses também deveriam criar uma cerimônia para a primeira vez em que se pedala lá...
Ao pedalar pela cidade a gente sempre ouve no caminho taxistas oferecendo seu serviço. Então a gente escuta a todo o momento: “Táxi! Táxi! Transporte”! É muito engraçado, pois mesmo eles vendo que já estou “me transportando” eles insistem em me oferecer serviços. Acho que porque já se tornou um ato mecânico enxergar uma pessoa “branca” que é sinônimo de “turista” e gritar tal sentença. Um dia, depois de ouvir “táxi” por tantas vezes no meu caminho eu decidi parar e falar o óbvio: como assim “táxi”? O senhor não vê que estou de bicicleta? O cara deu risada. Aliás, a gente vê sorrisos aqui por toda a parte. Quando cheguei ao aeroporto de Bali tinha um cartaz escrito: - “Bali, a terra do povo sorridente”. Eu fiquei pensando: “será mesmo”? Não demorou um minuto para eu ver que era verdade e após um mês e meio aqui eu ainda confirmo. Esses dias inclusive, uma indigente veio me pedir dinheiro nas ruas com uma enorme sorriso no rosto. Não vejo eles brigarem, dizerem desaforos, não vejo reações agressivas, violentas nem adversas a nada... eles chegam a pedir desculpas quando não sabem falar em inglês. Eu vejo olhos benevolentes por toda parte, inclusive dos homens (com algumas raras exceções). Eu e uma amiga americana que ficou muito próxima a mim, chegamos até a nos sentir frustradas com toda essa “benevolência” do olhar masculino. O que sobra de pimenta na comida falta no olhar. Esses dias finalmente uns pedreiros nos olharam diferente e falaram algumas coisas que não eram o tradicional:  “hello, where do you go”? Demos muito risada; pelo visto o comportamento na construção civil não muda em lugar nenhum do mundo. Isso poderia dar uma pesquisa sociológica...




Um dia na India


Finalmente adentrei o território indiano com os meus (agora não mais tão lindos) sapatinhos vermelhos, pisando no lindo e atapetado aeroporto Indira Gandhi in Deli  Eu tinha pouco mais de 24 horas por lá. Seguiria viagem para Indonésia, e depois retornaria a Índia com mais tempo.
Se não conseguisse pouso com uma família de um amigo indiano que fiz em Roma, que supostamente me receberia (explico mais adiante), eu iria dormir no aeroporto mesmo. Eu havia conversado com um amigo romano que já tinha ido pra Índia e ele havia me dito que realmente seria muito complicado sair e voltar para o aeroporto sendo que tudo fica longe e se movimentar na Índia é difícil (em todos os sentidos). Isso, todas as pessoas que conversei que já tinham ido para a Índia me alertaram - que os indianos estão sempre tentando conseguir dinheiro, estão sempre tentando te enrolar... levar para lugares errados, dando informações erradas (pelo simples fato de que nunca dizem “não sei onde fica”, mesmo que não saibam). O inglês deles é muito difícil de entender, e também o impacto de um ocidental na cidade é muito grande. Muita gente te pedindo dinheiro, te insistindo, te pegando, muita sujeira, gente doente, etc. Enfim, tudo isso me fez ficar apavorada de colocar o nariz pra fora do aeroporto, mas ao mesmo tempo me deixava uma profunda curiosidade para saber qual seria a minha sensação e impressão diante de tudo isso. Até porque eu voltaria para a Índia em um ou dois meses e ficaria mais tempo por lá (1 ou 2 meses mais). A família indiana não me recebeu e eu, já bem cansada começava a constatar que ficar mais de 24 horas naquele aeroporto seria muito difícil... ainda mais que no dia seguinte eu teria mais uma viagem pela frente e mais uma noite no aeroporto da Tailândia. Nesse momento, quando estava chegando a essa conclusão - deitada no desconfortável banco do aeroporto, coberta com minha toalha de banho por causa do frio do ar condicionado - uma moça tailandesa começou a puxar papo comigo. No final das contas ela foi meu anjo naquele dia. Almoçou comigo no aeroporto, dando dicas do que comer e me encaminhou através das agências do aeroporto para um hotel perto dali que ela conhecia (barganhou preços para mim), e me encomendou táxi pré-pago de forma que eu não tivesse nenhuma incomodação. Então foi o que eu fiz. Eu precisava respirar um pouco da Índia e nesse breve trajeto do aeroporto até o hotel já deu para ver um pouco do que eu já esperava pelas informações das pessoas, pelos filmes e documentários que eu havia visto. Mas creio ter sido só uma pequena amostra, pois não se tratava do centro da cidade.
Enfim, carros buzinando sem parar e sem razão; uma criança e uma mulher com um bebê no colo ficaram me pedindo dinheiro quando o carro parou numa sinaleira.
         O hotel era bem decente e limpo, mas o lugar ficava num “brejo”. Talvez fosse tudo assim? Decidi dar uma caminhada aos arredores do hotel, queria aproveitar que ainda era dia. Eu tinha diferentes informações a respeito da forma como deveria me vestir lá. Para os indianos que eu havia perguntado, todos me haviam dito que não tinha nenhum problema em vestir as roupas ocidentais, já os ocidentais me falaram que a gente não deve mostrar ombros nem tornozelos. Eu resolvi novamente buscar minhas próprias conclusões. Por via das dúvidas saí com calças compridas, mas com blusa regata. E o mais importante, saí sem bolsa, sem nada.
Bom, eu não sei se era eu ou a roupa, mas TODOS me olhavam. Eu me senti como uma alienígena pousando num estranho planeta. Pois eu também tinha o mesmo olhar para tudo, embora estivesse vendo tudo o que já esperava ver. Eu me sentia dentro de um filme de Bollywood, tinha vontade de rir com a situação e com aqueles milhares de olhares negros e profundos, os quais eu sentia ser alvo. Especialmente olhares masculinos, pois a maioria esmagadora nas ruas eram homens. Eu queria parecer familiarizada com o local e andar de forma objetiva para não chamar ainda mais atenção, mas era difícil, havia milhares de coisas a serem vistas com espanto, além dos milhares de olhares que eu também queria olhar, e tudo isso fazia com que eu achasse ainda mais graça de tudo... Eu sentia um misto de coisas dentro de mim, e aos poucos comecei a relaxar interiormente e me permitir olhar mais, então meu olhar começava a cruzar o olhar com olhares curiosos, olhares inocentes, olhares nitidamente desejosos, ou mesmo desejosos e inocentes... Eu ia caminhando por ruelas sem asfalto no meio das vacas, das pessoas, das motos que passavam correndo e buzinando sem parar; barbearias que pareciam que tinham parado no tempo, crianças brincando, lojas de tecidos, lojas esquisitas, pessoas cozinhando não sei o quê em panelas nas ruas. De certa forma me lembrei de Cuba.
Quando estava já retornando para o hotel um adolescente me parou muito educadamente e me perguntou o que eu estava achando de “sua Índia”. Ele disse timidamente que estava tremendo porque não sabia falar bem em inglês.
À noite encomendei minha janta pelo hotel. Não entendia nada do que significava a comida do cardápio, até que encontrei “Chinese Shop Suei”. Não hesitei na escolha, mas o que recebi foi algo nunca dantes visto, estava longe de ser a tradicional comida chinesa. Acho que era uma versão “made in china”. Recebi um pote do que parecia ser uma batata palha, mas também não era batata, com um pote do que parecia ser uma sopa vermelha de legumes. Dentro de cada pote recebi também um fio de cabelo de brinde. Tive de encarar a refeição, pois estava com fome. Supus que deveria mergulhar a “batata palha” na “sopa”, o que fazia lembrar um pouco mais o “shop suei”. Fora os cabelos, a comida estava uma delícia, mas não consegui comer tudo, fiquei com receio de que alguma coisa não pudesse cair bem. E assim terminou meu dia na India, tudo certo, sobrevivi! E voltarei...