Como já havia comentado por aqui, eu às vezes me
surpreendo com minha capacidade de viver situações insólitas. Eu agora, no
caso, estou tendo a capacidade de viver uma vida de milionária mesmo sem um
tostão no bolso. A casa onde estou parando aqui em Thun, é de duas grandes
amigas, que acabei conhecendo em Paris, quando fazia a escola de teatro do
Philippe Gaulier. Na real aqui, é uma pousada também. Tudo é perfeito,
impecável, exatamente aos moldes suíços. Parece um mundo de contos de fadas.
Todas as casinhas são cheias de enfeites, detalhes coloridos, flores nas
janelas. No Brasil poderíamos utilizar a expressão “frufru”.
A casa onde estou tem sacada para os Alpes e cama de
massagem automática. Assim, tomo meu café da manhã contemplando a gigantesca
JungFrau , montanha marrom e verde com
cobertura de “côco”. Quando falo que tomo café da manhã, estou falando que como O
MELHOR pão, o MELHOR café, a MELHOR manteiga, o MELHOR queijo... tudo
aqui é do BOM E DO MELHOR, incluindo todos os itens de cama, mesa e banho.
Assim, tenho o MELHOR colchão, o MELHOR travesseiro, a MELHOR coberta...
Continuando minha jornada rica e bucólica, depois do
café, ou em qualquer outro momento do dia, recebo essa incrível massagem da
cama automática, que faz uso de pedras quentes. Há, e começo meu dia apanhando
as pequeninas maçazinhas, e as framboesas que estão disponíveis no jardim.
Preciso contar também de minha chegada “triunfante” na
cidade. É incrível, mas eu tenho conseguido a façanha de, sem planejar, estar
presente ou mesmo de chegar às cidades no dia do aniversário das mesmas, ou
quando estão comemorando algo. Assim aconteceu em Olinda e Recife, onde
participei das comemorações de aniversário dessas cidades, assistindo ao show
gratuito da Elba Ramalho. Um dia depois que cheguei em Udine, (Itália), era aniversário da cidade e assim
tiveram muitos shows de comemoração, espalhados pelos lugares. Em Veneza nem se
fala, cheguei no dia da festa mais importante da cidade a “Festa del Redentore”.
Portanto, aqui na suíça não foi diferente, cheguei no dia do aniversário do
país. Assim, naquela noite, além de ver pela sacada de casa, as montanhas e Alpes
suíços, eu ainda via, uma imensa lua cheia e os fogos de artifício completando
o quadro surrealista. Minhas amigas suíças, devido a esses acontecimentos, me
denominaram “party girl”.
Nessa comemoração suíça havia algo muito peculiar, ou pelo
menos diferente da nossa cultura. TODAS as casas da vizinhança estavam soltando
fogos de artifício, e os soltariam pela noite inteira. Mas não se ouvia uma voz
humana sequer. No meu entendimento se eles compraram fogos para soltar a noite
inteira pelo país, isso significa que realmente amam o lugar onde vivem e
queriam festejar. Desta forma eu esperaria ouvir um “eeeee!!” ou “viva a suíça!!”
(em Suíço Alemão,
é claro), mas o silencio era sepulcral! Aliás, tudo é muito silencioso aqui...
Entrei umas três vezes em lojas ou mercado e achei que não houvesse ninguém,
devido ao silêncio, mas todos estavam ali... mesma coisa depois que “cai o dia”,
não se ouve mais nada, absolutamente nada...e portanto também não se pode fazer
barulho nenhum.
Dois dias depois da minha chegada, fui assistir a
apresentação de um musical sobre o Titanic. O musical era ao ar livre, e o
fundo do “palco” dava para os Alpes e para o Lago de Thun. Essa é a visão mais
incrível que eu já pude obter de um lugar. Eu estive em Thun pela primeira vez em
2003 e nunca me esqueço do impacto que tive ao ver essa estupenda paisagem que
havia se descortinado aos meus olhos ao estacionar minha bicicleta numa
estreita ponte de madeira. Eu nem sequer pude exprimir uma palavra de
admiração, fiquei muda por um bom tempo enquanto chorava de beleza. Uma emoção
ímpar tomou conta de mim. Coincidentemente conheci uma pessoa em Porto Alegre que assim
como eu, pela primeira e única vez na vida (até então) , havia chorado ao ver uma paisagem e este
lugar era uma cidade da Suíça, da qual ela não lembrava mais o nome. Acabamos
por reconhecer que se tratava do mesmo lugar quando contei da minha experiência
na cidade de THUN.
Trata-se
de um imenso lago cor “verde-água nunca dantes visto”, rodeado por majestosas
montanhas que exibem variadas formas, contornos, volumes e cores, que vão do
verde intenso ao branco neve da base ao topo respectivamente. Há também algumas
pedras na encosta - só para combinar dar aquele um toque decorativo característico
da cidade.
Na época eu até havia tirado uma foto daquele local,
que ficou marcado pra sempre na minha memória. Não é que saindo pra passear a
uns dois dias atrás acabo por descobrir que estou há duas quadras daquele
lugar? Nem pude acreditar, estou no lugar mais lindo do mundo! E vou poder
usufruir dele por mais de um mês!
Na
verdade tenho que admitir que, pra mim, às vezes não é tão simples assim
aceitar essas condições... quero dizer que às vezes sinto culpa, ou não me
sinto merecedora. Na verdade eu tenho que trabalhar profundamente dentro de mim
para aceitar a beleza e o bem-estar supremo, quando ele aparece. Não sei por
que isso acontece, não sei se é uma coisa minha, ou se é com todo mundo...
Fico
pensando se não seria uma herança católica que esta incutida lá no nosso DNA, e
que nos faz acreditar que só com muito trabalho ou sofrimento podemos alcançar
a felicidade. Ou que devemos fazer MUITO por merecer... Eu costumo me pegar
pensando: “tem gente que merece muito mais e não tem nada disso” Por exemplo,
tem pessoas realmente lutando pelos direitos humanos, vivendo uma vida de
dedicação pela humanidade, de abnegação, e estão muitas vezes vivendo em
terríveis condições e perseguições de todos os tipos. Enfim, só dando uma
rápida escapada para um papo meio filosófico sobre justiça, religião, sentido
da vida, sei lá o que...
Mas voltando finalmente àquela apresentação do Titanic
que fui assistir; eu já me daria por satisfeita só por ver aquele “cenário”,
nem precisava de mais nada. Mas a encenação começara e assim iam aparecendo os
atores vestidos conforme aquela época e invadindo o palco com os carros antigos
e com cânticos em Suíço Alemão! Mais um
episódio surrealista para a minha coleção... A peça se desenrolava até chegar o
ponto do início do naufrágio, e com ele veio a chuva. Era chuva de verdade... e
quanto mais o “barco” afundava na cena, mais a chuva engrossava, o que dava um
toque bastante realista a encenação.
Mas
como tudo aqui na Suíça é perfeito, o público já estava preparado para as
intempéries. Cada um recebeu ao entrar no espaço da encenação, uma capa de
chuva. Assim, ao sinal das primeiras gotas, eu vi toda a platéia de “uniforme”
amarelo. A chuva foi ficando tão forte que tiveram que cancelar a apresentação,
pois estava ficando impraticável para os atores seguirem a cena do náufrago no
meio de tanta água! Na saída, era impossível distinguir uma pessoa da outra
naquela multidão de capinhas amarelas, assim tivemos que andar, eu e minha
amiga, segurando uma na outra até chegar em casa. Não costumo ter
medo de me perder nos lugares, quando estou em viagem, pois me sinto
confortável com o inglês. Mas aqui é diferente, eu sou literalmente uma
surda-muda e analfabeta. É muito estranho e muitas vezes desagradável a
sensação de não entender absolutamente nada da língua. Percebo que nem todos
falam inglês aqui... Eu estou na parte Alemã da Suíça, portanto eles falam
suíço-alemão. Nem o nome da rua onde eu estou eu consigo dizer... mas de
qualquer forma eu simpatizo com a língua, não é seca como o alemão, é cantada e
redondinha...
Mas por incrível que pareça, apesar destas incríveis
paisagens e do mundo “perfeito” que se tem a sensação de experimentar aqui, a Suíça
está em primeiro ou segundo lugar dos paises que tem maior índice de suicídio
no mundo atualmente. Quem me passou essa informação foi minha amiga suiça, eu
ainda não cheguei a verificar. Acho que se for falar disso, entraria em outros
papos mais filosóficos. Mas só para dar uma rápida e superficial passada,... eu
não posso deixar de me lembrar do nosso povo e em especial do que vi do povo do nordeste, com uma vida
tão dificil e aparentemente tão sofrida, com uma cultura tão alegre, tão rica e
com povo tão sorridente e amável... quanto contraste, quanta contradição.... ou
não?
O
que faz os habitantes do “paraíso” tão infelizes?
Uma
coisa é certa, de forma geral, percebo a falta do riso, da bagunça, do som, da
descontração, do toque, do carinho. E isso não é só aqui, pelo menos dos países
da Europa que conheci, é da mesma forma...
Aqui
é aperto de mão... Tenho que me conter para não abraçar as pessoas. Mais do que
tudo, e isso eu sempre sinto, mas não sei ao certo explicar... é algo sobre a
nossa música. A nossa música tem um “quê”, que mais nenhuma outra tem e esse
“quê” certamente está no nosso DNA... felizmente! Enfim, papo para uma outra postagem, quem
sabe outra hora...